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Um rápido olhar em "Merrick"

B"H


Olá pessoas!
Não demorou nada pra que eu voltasse aqui com mais uma resenha, não é? =) Há um motivo: este livro é impossível de ser posto de lado, e por isso, uma vez que você o comece a ler, rapidamente chegará ao final. Creio que não seja novidade, pra quem acompanha minhas resenhas, que o livro que eu mais gostei até aqui foi o A Rainha dos Condenados, mas devo dizer que agora tenho outro que rivaliza cruelmente com o primeiro, Merrick me deixou sem fôlego e em certo êxtase. Dá muita dor pensar que Anne abandonou as Crônicas Vampirescas. =( Mas vamos ao que interessa no momento.

Vamos ao enredo:
David Talbot, o vampiro poderoso por seu sangue milenar e por sua sabedoria inquebrantável, recebe uma tarefa no mínimo perturbadora de seu querido companheiro e irmão das trevas Louis. David deve achar alguém ou alguma maneiro de chamar o espírito da vampira Cláudia para que o próprio Luis possa tentar escapar da espiral destrutiva em que se lançou logo após o assassinato dela pelos vampiros decadentes do Théâtre des Vampires. Há aqui a necessidade de que se explique o porque de David ter tomado a decisão de ajudar o amigo, quando poderia simplesmente ter se negado enfaticamente a colaborar. David e Louis nutriram uma dependência mútua poderosíssima após os eventos finais narrados em O Ladrão de Corpos, quando os três, David, Louis e Lestat, passam a viver juntos no velho sobrado que fora de Louis, Lestat e Cláudia durante Entrevista com o Vampiro. Sendo os dois, Louis e David, crias do mesmo poderoso, apaixonante e autoritário Lestat, seria natural que tomassem para si uma responsabilidade de irmãos de sangue, o que positivamente os dois são. Essa dependência mútua se acentua quando Lestat entra em estado catatônico no final de Memnoch. O que resta aos dois se não a companhia um do outro na longa e dolorosa espera de que seu mestre volte à vida? Não é difícil também entender que David de alguma forma tenha se apaixonado por Louis, dado sua natureza sexual ampla e irrestrita e o charme e fascínio do outro. Temos então um impasse que mexe profundamente com David de modo que ele é levado a pensar que, caso não se disponha a ajudar o amigo, logo estará às voltas com a fatídica destruição de Louis. Mas será que há alguma outra coisa? Ao longo da narrativa o próprio David Talbot começa a se dar conta da natureza ambígua do que começa a fazer na direção de ajudar Louis. David recorre à uma antiga pupila sua que permanece na Talamasca e é uma das maiores bruxas vivas que se tem notícia. Merrick Mayfair, descendente mulata do clã das Bruxas Mayfair de Nova Orleans, tendo ela sido acolhida pela Talamasca quando ainda tinha 14 anos incompletos após o falecimento de sua bisavó Grande Nananne, bruxa tão poderosa que amedronta o próprio David, sendo ele na época já pai-de-santo e Superior Geral da Talamasca, é contatada por David e à ele se reúne em um restaurante em Nova Orleans. Começa assim uma viagem mental de David ao momento em que conhece a intrigante menina até o momento em que se separaram pouco antes do próprio David receber o Dom das Trevas. David logo se dá conta de que parte do motivo para ter aceito o pedido de Louis é o desejo insano de rever a sua querida Merrick, única mulher por quem já se apaixonara na vida. David se vê obrigado moralmente a narrar para Louis toda a sua história envolvendo Merrick, e tentar ao máximo mostrar-lhe de quem se trata a bruxa, antes de prosseguirem com os planos de invocarem o espírito de Cláudia. Desta forma o livro se embrenha em uma maravilhosamente bem urdida trama de acontecimentos de cunho espiritual, mágico, emocional e histórico que envolvem o crescimento de uma feiticeira mais poderosa do que as próprias Mães Vampíricas Maharet e Mekare quando ainda eram bruxas reverenciadas nas montanhas do Vale do Carmelo. Embrenhamonos por um mundo de fantasia delirante, espiando ocasionalmente terríveis cerimônias de Vudu, e aprendendo como os meandros religiosos se entrelaçam e se confundem em tantas culturas no Mundo. Merrick é um exemplo perfeito de mulher do século XX que nem mesmo Jasse Reeves foi capaz de ser. É muito interessante ver aprofundados em Merrick questões abordadas em O Ladrão de Corpos e que, aparentemente, haviam sido esquecidas para sempre.

Merrick é uma espécie de coroa da obra chamada Crônicas Vampirescas. Não que eu creia que ela esgotou sua capacidade criativa aqui. De forma alguma. Sei que Anne ainda vai me surpreender profundamente nos próximos livros, porque é isso o que ela faz, surpreende e desconcerta nossa alma o tempo todo. Não existe mesmices na sua literatura gótica tão texturizada e palpável. Este livro é só e unicamente sobre David, Louis, Merrick e Lestat, de uma forma muito completa e sincronizada. É a primeira vez que a presença assustadora e desconcertante de Cláudia é suplantada pela natureza poderosa e decidida dos outros que compõem o núcleo da narrativa.
Estamos nos preâmbulos de uma transformação terrível nos eventos postos em movimento em Entrevista com o Vampiro. É difícil não escancarar agora mesmo os fatos tão deliciosamente chocantes que há muito são pré-vislumbrados nos outros livros que antecedem Merrick. Anne é muito dissimulada em colocar uma dezena de insinuações evasivas no decorrer deste livro que, para minha surpresa, me pareceram tão claros como água cristalina enquanto os lia pela primeira vez. É a primeira vez que consigo antever com tanta clareza um fato que só será revelado no final do livro. Anne me surpreendeu novamente e me deixou deliciosamente encantado com sua história envolvente e sedutora. Como meu amigo, que me levou à leitura apaixonada desses contos, resumiu tão bem: "Eu não consigo imaginar como seria a eternidade entre os quatro. Merrick com todo o seu poder, com toda a sua presença e magnitude. O Louis com sua paixão, humanidade, zelo e piedade. O David com sua sabedoria, compaixão, amizade e companheirismo. O Lestat com toda a sua revolta, imprudência, ousadia e liderança. Imagine os quatro vagando pelo mundo... Seria uma existência incrível."

"É, estou dizendo que acredito que talvez possamos nos demorar. É claro. Demorar-se após a morte por algum tempo não é algo que esteja fora do alcance de explicação da ciência um dia — uma alma de substância definível, isolada da carne e presa em algum campo de energia que envolve o planeta. Não está além da capacidade da imaginação. Não, de modo algum. Mas não significa a imortalidade. Não significa que exista um Paraíso ou um Inferno. Não significa justiça ou reconhecimento. Não significa êxtase ou dor interminável. (...) Se eu morresse, talvez não houvesse nada. Se eu morresse, talvez houvesse apego à terra. Se eu morresse, talvez nunca chegasse a saber o que aconteceria com minha alma. As luzes ao meu redor — cujo calor o espírito da criança tinha mencionado com tanto escárnio —, o calor simplesmente desapareceria." (David Talbot)

"E agora, nesta escuridão, não temo nada. Se você me deixasse aqui, eu não sentiria nada. Caminharia como estou caminhando agora. Como homem, você não pode saber o que estou querendo dizer com essas palavras. Não tem como conhecer a vulnerabilidade de uma mulher. Não tem como avaliar a sensação do poder que agora me pertence.” (Merrick)

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