B"H
Olá pessoas!
Essa é sem dúvida alguma a resenha mais difícil que vou fazer. É difícil por vários motivos que vou tentar descrever aqui, antes de começar a falar o enredo do livro. Todos sabem, ou já é mais do que hora de se darem conta, de que Anne Rice é uma escritora gótica, e que isso tem muitas implicações estilísticas, de abordagem e de temática que estão muito além da minha capacidade e paciência de colocar aqui em palavras. Na verdade Memnoch me cansou, me esgotou, como qualquer literatura gótica bem feita. Porque é pra isso que se destina. O desejo é muito simples, fazer o leitor entrar tão profundamente em análises psicológicas, existenciais, comportamentais e filosóficas que acabe exaurido em suas forças. É exatamente assim que me encontro enquanto escrevo. Estou com enxaqueca e com os olhos cansados de tanto ler, meras cinqüenta páginas (as últimas cinqüenta). Quem está habituado a narrativa da Anne terá um choque, e quem não está dificilmente será capaz de terminar a leitura. É claro que é possível uma leitura superficial e despreocupada deste livro, mas para isso é necessária uma alma sem qualquer vitalidade e absolutamente cega. É possível assim como é possível encontrar seres humanos que olham para crianças etíopes que não conseguem ficar ao menos de pé e não vêem problema nisso. Memnoch é um livro que mexe com todas as fibras do ser do leitor.
Vou dar aqui um conselho: não leia esse livro. Parece estranho vindo de alguém viciado em leitura e que está, afinal de contas, escrevendo uma resenha. Mas preste atenção ao que digo. Não é necessário, de forma alguma, para a boa compreensão da história das Crônicas Vampirescas que você leia esse livro. Até hoje, para quem já leu as outras resenhas, eu disse: "Muito cuidado se você se ofende facilmente com questões religiosas. Vá procurar outra coisa pra fazer." Hoje eu digo: NÃO LEIA. Não leia se você não tem uma fé muito firme em alguma coisa, mesmo que seja em não ter fé em nada. Não leia se você se perturbou mesmo que ínfimamente em algum dos outros livros. Não leia se você tem propensão a depressão, muito menos de for de cunho religioso ou existencial. Por que eu digo isso: porque este é um livro que trata disso, da existência e da religião. É um livro que trata basicamente de cosmologia, teofania, teologia e filosofia. Não tem nada nada com vampiros, mesmo que a personagem principal continue a ser Lestat de Lioncourt. Sei que existem pessoas tão apaixonadas por ele que são incapazes de enxergar o quão profundo é esse livro.
Enfim, vou falar sobre o enredo e volto às minhas análises depois.
Lestat, nosso vampiro sedutor e amado, está prestes a entrar novamente em uma aventura tão intensa e impensável que sairá louco.
Há algum tempo Lestat tem sentido que uma presença imensamente poderosa o persegue. Em qualquer lugar que vá a presença o acompanha. O que o atormenta é que ela permanece um completo mistério para ele. Nenhum cheiro, nenhum pensamento, nenhuma aparição, apenas a sensação do poder. Paralelamente Lestat conhece Roger, um gângster poderoso, imensamente rico e apaixonado por sua filha Dora, uma pastora protestante com um programa de evangelismo pela televisão. Lestat se apaixona pelos dois, como não poderia deixar de ser, porque obviamente ele continua sendo Lestat de Lioncourt. Em sua paixão, ele toma o sangue de Roger e esquarteja seu corpo e o esconde em vários lugares. Só que para sua imensa desventura sua vítima, Roger, volta dos mortos materializando por algumas horas o seu espírito a fim de conversar com Lestat e lhe contar sua vida e excentricidades. Mas não é esse o motivo que o moveu a voltar, e sim um pedido desesperado, o último de sua existência na Terra: Lestat precisa proteger Dora e ajudá-la a se tornar uma grande evangelizadora que mudará e curará o mundo. Lestat aceita a incumbência depois de muita discussão. Mas algo acontece e leva Roger embora. Quem ou o que Lestat não sabe, até que um "homem comum", sem cheiro ou qualquer das características mais ordinárias humanas, mesmo sendo para todos os efeitos perfeitamente ordinário, aparece a Lestat e lhe faz uma proposta. Ele se apresenta como Memnoch, o adversário de Deus. Não aceita os epítetos usuais nem os nomes mais comuns como: Lúcifer, Demônio, Satanás, Samael etc. Seu nome é e sempre foi Memnoch, e sua proposta é simples: depois de levar Lestat para conhecer o Paraíso, o Inferno e o próprio Tempo, Memnoch quer que Lestat se torne seu príncipe e braço direito na luta contra Deus. Mas não se engane, Deus está completamente de acordo com essa luta, na verdade Memnoch não é o mal, ele é apenas o adversário de Deus, e quer mostrar o porque para Lestat, se ele quiser seguir nesta viagem.
Aconselhado por seus amigos David Taubot e Armand, a não fazer isso, e por Dora, a fazer isso, Lestat segue em uma viagem iniciática através do Tempo, do Espaço, ouvindo a verdadeira história desde a Criação do Universo até os dias presentes.
Mas será que isso tudo é verdade? Será que Memnoch é quem diz ser? Será que Deus e o Diabo realmente existem? Essas são perguntas que Lestat deve responder ao final de sua jornada, com conseqüências terríveis para todos os envolvidos.
Em todas as resenhas que escrevi até hoje para o Mapittom sempre tive por regra não entrar em questões religiosas. Esse é um campo muito particular e perigoso, com uma fantástica inclinação para ferir, ofender e magoar as pessoas. É incrível como uma coisa que teoricamente deveria servir para inspirar as pessoas no bem acaba por ser a causa de suas ruínas. E é exatamente essa discussão que o livro se propões, só que começando muito mais profundo do que a maioria das pessoas teria coragem de ir. Vou seguir minha regra nesta resenha também, o máximo que puder e espero lograr êxito apesar de não acreditar muito nisso. Espero que as pessoas entendam que isto aqui é a análise de uma obra literária, e apenas isso.
Nenhum livro do gênero se aproxima tanto da visão geral judaica da ordem do Universo, e nenhum se afasta tanto. Ao menos nenhum que eu tenha lido. Memnoch é uma viagem iniciática não apenas para o herói como para todos os que ousarem lê-lo. É profundo, doloroso, atormentador e insuportavelmente instigante. Em todos os sentidos é uma obra completamente herege, e pretende ser exatamente isso. Seu brilho e importância está em ser completamente original em falar do que todos os outros já falaram antes. Nem mesmo os satanistas seriam audaciosos em dizer que eles já pregavam isso. Sim, este é um livro satanista em sua verdadeira acepção. Não ensina a adorar o demônio nem afirma ser uma religião cujo centro seja outro que não Deus. Mas para todos os efeitos é um livro satanista. É estranho como sou capaz de escrever indulgentemente esta palavra que em outros contextos eu me recuso a usar. Não por medo, nem por misticismo supersticioso, mas por simplesmente achar uma perda de tempo. É aí que está o brilhantismo de Anne Rice. O livro trata de todos esses assuntos e não é nem um só segundo vulgarmente supersticioso. Por favor não acredite que Anne tenha feito um pacto com o Diabo para escrever esse livro ou qualquer outro. Isso é simplesmente impossível dentro do contexto do que ele trata. Na verdade ele demonstra uma profunda análise do estado pútrido e deplorável em que se encontrava a sociedade religiosa nos anos 90. Não acredito que estejamos vivendo a mesma época em que se apregoa com tanta facilidade que Deus morreu. Me refiro a Deus e não a Jesus. Não estou falando da mensagem cristã, mas da morte da religião e de Deus como a pregaram alguns teólogos pessimistas na década retrasada. Posso estar errado mas vivemos uma época onde Deus ressurgiu na mente das pessoas com novas implicações e regras que lhe ajustam perfeitamente ao nosso mundo tecnológico. Isso não aconteceu nos anos 80 e 90. Naquela época o ser humano estava vivendo uma crise existencial muito forte por não conseguir encaixar Deus na dinâmica científica. Posso estar fazendo uma leitura errada da nossa década, mas sei que não sou o único a pensar assim. Deus ressurgiu e com ele a religião. Em parte Deus foi reformulado pela religião e com a religião. Enfim. Mas voltemos no tempo e olhemos para o que Anne viu e escreveu na década de 90: solidão, confusão, incredulidade, amortecimento, medo, dúvida... Esses são os ingredientes de Memnoch, com sua teologia rebuscada, sua "religião" tão bem construída e, óbvio, suas faltas de resposta.
Memnoch é um livro pra quem tem sangue frio e uma capacidade bem desenvolvida de senso crítico e um desejo científico de observação do mundo e das pessoas ao redor. Não inicie uma leitura descomprometida deste livro sob pena de ter um colapso religioso.
Por fim devo dizer que um grande amigo meu, muito fã das Crônicas Vampirescas, e motivo principal, mas não único, de eu ter começado a ler, há algumas semanas me disse de maneira irônica que este livro é maravilhoso para colocar perguntas inquietantes na mente de quem lê. Isso é a mais pura verdade, mas devo dizer que o que este livro discute e põem em xeque é a visão religiosa do ocidente, do que as pessoas costumam inadivertidamente chamar de "sociedade judaico-cristã", como se houvesse de fato um ponto de intercessão entre esses dois mundos. Não há. Não se engane. Para isso os dois precisam ser reformulados, e é isto o que as pessoas vivem fazendo por ai. Memnoch não discute o mundo com um prisma universalista, não, discute sob um ponto de vista bem definido, o Cristianismo Europeu.
"E o que é interessante é que, neste caso, não importa que eu seja um vampiro. Não é tão essencial assim para a história. É apenas um dado, como meu sorriso inocente, minha voz ronronante com sotaque francês e meu jeito gracioso de andar lépido pela rua. Faz parte do pacote. No entanto, o que aconteceu aqui poderia ter acontecido com qualquer ser humano. Na verdade, sem dúvida já aconteceu com humanos, e voltará a acontecer." (Lestat)
"Não me mexi. Deixei que ela agisse como se fosse uma cega e aquilo fosse uma cortesia. Senti que seus dedos chegavam ao meu cabelo. Eu sabia que havia luz suficiente para deixá-lo bonito e acobreado como eu esperava que ficasse, criatura descaradamente vaidosa, arrumada, egoísta, confusa e temporariamente desorientada que eu era." (Lestat)
"Mas a verdade é que, se um vampiro omitir detalhes como os das roupas, a história deixa de fazer sentido. Mesmo os personagens míticos mais grandiosos, se forem de carne e osso, precisam se preocupar com as correias das sandálias." (Lestat)
"Estou aqui, ainda. Sou o herói dos meus próprios sonhos, e permitam por favor que eu mantenha meu lugar nos seus. Eu sou o Vampiro Lestat. Que eu passe agora da ficção para as lendas." (Lestat)
Graças à D´s não há um filme sobre esse livro. Espero que ninguém nunca tenha coragem de fazê-lo.
Olá pessoas!
Essa é sem dúvida alguma a resenha mais difícil que vou fazer. É difícil por vários motivos que vou tentar descrever aqui, antes de começar a falar o enredo do livro. Todos sabem, ou já é mais do que hora de se darem conta, de que Anne Rice é uma escritora gótica, e que isso tem muitas implicações estilísticas, de abordagem e de temática que estão muito além da minha capacidade e paciência de colocar aqui em palavras. Na verdade Memnoch me cansou, me esgotou, como qualquer literatura gótica bem feita. Porque é pra isso que se destina. O desejo é muito simples, fazer o leitor entrar tão profundamente em análises psicológicas, existenciais, comportamentais e filosóficas que acabe exaurido em suas forças. É exatamente assim que me encontro enquanto escrevo. Estou com enxaqueca e com os olhos cansados de tanto ler, meras cinqüenta páginas (as últimas cinqüenta). Quem está habituado a narrativa da Anne terá um choque, e quem não está dificilmente será capaz de terminar a leitura. É claro que é possível uma leitura superficial e despreocupada deste livro, mas para isso é necessária uma alma sem qualquer vitalidade e absolutamente cega. É possível assim como é possível encontrar seres humanos que olham para crianças etíopes que não conseguem ficar ao menos de pé e não vêem problema nisso. Memnoch é um livro que mexe com todas as fibras do ser do leitor.
Vou dar aqui um conselho: não leia esse livro. Parece estranho vindo de alguém viciado em leitura e que está, afinal de contas, escrevendo uma resenha. Mas preste atenção ao que digo. Não é necessário, de forma alguma, para a boa compreensão da história das Crônicas Vampirescas que você leia esse livro. Até hoje, para quem já leu as outras resenhas, eu disse: "Muito cuidado se você se ofende facilmente com questões religiosas. Vá procurar outra coisa pra fazer." Hoje eu digo: NÃO LEIA. Não leia se você não tem uma fé muito firme em alguma coisa, mesmo que seja em não ter fé em nada. Não leia se você se perturbou mesmo que ínfimamente em algum dos outros livros. Não leia se você tem propensão a depressão, muito menos de for de cunho religioso ou existencial. Por que eu digo isso: porque este é um livro que trata disso, da existência e da religião. É um livro que trata basicamente de cosmologia, teofania, teologia e filosofia. Não tem nada nada com vampiros, mesmo que a personagem principal continue a ser Lestat de Lioncourt. Sei que existem pessoas tão apaixonadas por ele que são incapazes de enxergar o quão profundo é esse livro.
Enfim, vou falar sobre o enredo e volto às minhas análises depois.
Lestat, nosso vampiro sedutor e amado, está prestes a entrar novamente em uma aventura tão intensa e impensável que sairá louco.
Há algum tempo Lestat tem sentido que uma presença imensamente poderosa o persegue. Em qualquer lugar que vá a presença o acompanha. O que o atormenta é que ela permanece um completo mistério para ele. Nenhum cheiro, nenhum pensamento, nenhuma aparição, apenas a sensação do poder. Paralelamente Lestat conhece Roger, um gângster poderoso, imensamente rico e apaixonado por sua filha Dora, uma pastora protestante com um programa de evangelismo pela televisão. Lestat se apaixona pelos dois, como não poderia deixar de ser, porque obviamente ele continua sendo Lestat de Lioncourt. Em sua paixão, ele toma o sangue de Roger e esquarteja seu corpo e o esconde em vários lugares. Só que para sua imensa desventura sua vítima, Roger, volta dos mortos materializando por algumas horas o seu espírito a fim de conversar com Lestat e lhe contar sua vida e excentricidades. Mas não é esse o motivo que o moveu a voltar, e sim um pedido desesperado, o último de sua existência na Terra: Lestat precisa proteger Dora e ajudá-la a se tornar uma grande evangelizadora que mudará e curará o mundo. Lestat aceita a incumbência depois de muita discussão. Mas algo acontece e leva Roger embora. Quem ou o que Lestat não sabe, até que um "homem comum", sem cheiro ou qualquer das características mais ordinárias humanas, mesmo sendo para todos os efeitos perfeitamente ordinário, aparece a Lestat e lhe faz uma proposta. Ele se apresenta como Memnoch, o adversário de Deus. Não aceita os epítetos usuais nem os nomes mais comuns como: Lúcifer, Demônio, Satanás, Samael etc. Seu nome é e sempre foi Memnoch, e sua proposta é simples: depois de levar Lestat para conhecer o Paraíso, o Inferno e o próprio Tempo, Memnoch quer que Lestat se torne seu príncipe e braço direito na luta contra Deus. Mas não se engane, Deus está completamente de acordo com essa luta, na verdade Memnoch não é o mal, ele é apenas o adversário de Deus, e quer mostrar o porque para Lestat, se ele quiser seguir nesta viagem.
Aconselhado por seus amigos David Taubot e Armand, a não fazer isso, e por Dora, a fazer isso, Lestat segue em uma viagem iniciática através do Tempo, do Espaço, ouvindo a verdadeira história desde a Criação do Universo até os dias presentes.
Mas será que isso tudo é verdade? Será que Memnoch é quem diz ser? Será que Deus e o Diabo realmente existem? Essas são perguntas que Lestat deve responder ao final de sua jornada, com conseqüências terríveis para todos os envolvidos.
Em todas as resenhas que escrevi até hoje para o Mapittom sempre tive por regra não entrar em questões religiosas. Esse é um campo muito particular e perigoso, com uma fantástica inclinação para ferir, ofender e magoar as pessoas. É incrível como uma coisa que teoricamente deveria servir para inspirar as pessoas no bem acaba por ser a causa de suas ruínas. E é exatamente essa discussão que o livro se propões, só que começando muito mais profundo do que a maioria das pessoas teria coragem de ir. Vou seguir minha regra nesta resenha também, o máximo que puder e espero lograr êxito apesar de não acreditar muito nisso. Espero que as pessoas entendam que isto aqui é a análise de uma obra literária, e apenas isso.
Nenhum livro do gênero se aproxima tanto da visão geral judaica da ordem do Universo, e nenhum se afasta tanto. Ao menos nenhum que eu tenha lido. Memnoch é uma viagem iniciática não apenas para o herói como para todos os que ousarem lê-lo. É profundo, doloroso, atormentador e insuportavelmente instigante. Em todos os sentidos é uma obra completamente herege, e pretende ser exatamente isso. Seu brilho e importância está em ser completamente original em falar do que todos os outros já falaram antes. Nem mesmo os satanistas seriam audaciosos em dizer que eles já pregavam isso. Sim, este é um livro satanista em sua verdadeira acepção. Não ensina a adorar o demônio nem afirma ser uma religião cujo centro seja outro que não Deus. Mas para todos os efeitos é um livro satanista. É estranho como sou capaz de escrever indulgentemente esta palavra que em outros contextos eu me recuso a usar. Não por medo, nem por misticismo supersticioso, mas por simplesmente achar uma perda de tempo. É aí que está o brilhantismo de Anne Rice. O livro trata de todos esses assuntos e não é nem um só segundo vulgarmente supersticioso. Por favor não acredite que Anne tenha feito um pacto com o Diabo para escrever esse livro ou qualquer outro. Isso é simplesmente impossível dentro do contexto do que ele trata. Na verdade ele demonstra uma profunda análise do estado pútrido e deplorável em que se encontrava a sociedade religiosa nos anos 90. Não acredito que estejamos vivendo a mesma época em que se apregoa com tanta facilidade que Deus morreu. Me refiro a Deus e não a Jesus. Não estou falando da mensagem cristã, mas da morte da religião e de Deus como a pregaram alguns teólogos pessimistas na década retrasada. Posso estar errado mas vivemos uma época onde Deus ressurgiu na mente das pessoas com novas implicações e regras que lhe ajustam perfeitamente ao nosso mundo tecnológico. Isso não aconteceu nos anos 80 e 90. Naquela época o ser humano estava vivendo uma crise existencial muito forte por não conseguir encaixar Deus na dinâmica científica. Posso estar fazendo uma leitura errada da nossa década, mas sei que não sou o único a pensar assim. Deus ressurgiu e com ele a religião. Em parte Deus foi reformulado pela religião e com a religião. Enfim. Mas voltemos no tempo e olhemos para o que Anne viu e escreveu na década de 90: solidão, confusão, incredulidade, amortecimento, medo, dúvida... Esses são os ingredientes de Memnoch, com sua teologia rebuscada, sua "religião" tão bem construída e, óbvio, suas faltas de resposta.
Memnoch é um livro pra quem tem sangue frio e uma capacidade bem desenvolvida de senso crítico e um desejo científico de observação do mundo e das pessoas ao redor. Não inicie uma leitura descomprometida deste livro sob pena de ter um colapso religioso.
Por fim devo dizer que um grande amigo meu, muito fã das Crônicas Vampirescas, e motivo principal, mas não único, de eu ter começado a ler, há algumas semanas me disse de maneira irônica que este livro é maravilhoso para colocar perguntas inquietantes na mente de quem lê. Isso é a mais pura verdade, mas devo dizer que o que este livro discute e põem em xeque é a visão religiosa do ocidente, do que as pessoas costumam inadivertidamente chamar de "sociedade judaico-cristã", como se houvesse de fato um ponto de intercessão entre esses dois mundos. Não há. Não se engane. Para isso os dois precisam ser reformulados, e é isto o que as pessoas vivem fazendo por ai. Memnoch não discute o mundo com um prisma universalista, não, discute sob um ponto de vista bem definido, o Cristianismo Europeu.
"E o que é interessante é que, neste caso, não importa que eu seja um vampiro. Não é tão essencial assim para a história. É apenas um dado, como meu sorriso inocente, minha voz ronronante com sotaque francês e meu jeito gracioso de andar lépido pela rua. Faz parte do pacote. No entanto, o que aconteceu aqui poderia ter acontecido com qualquer ser humano. Na verdade, sem dúvida já aconteceu com humanos, e voltará a acontecer." (Lestat)
"Não me mexi. Deixei que ela agisse como se fosse uma cega e aquilo fosse uma cortesia. Senti que seus dedos chegavam ao meu cabelo. Eu sabia que havia luz suficiente para deixá-lo bonito e acobreado como eu esperava que ficasse, criatura descaradamente vaidosa, arrumada, egoísta, confusa e temporariamente desorientada que eu era." (Lestat)
"Mas a verdade é que, se um vampiro omitir detalhes como os das roupas, a história deixa de fazer sentido. Mesmo os personagens míticos mais grandiosos, se forem de carne e osso, precisam se preocupar com as correias das sandálias." (Lestat)
"Estou aqui, ainda. Sou o herói dos meus próprios sonhos, e permitam por favor que eu mantenha meu lugar nos seus. Eu sou o Vampiro Lestat. Que eu passe agora da ficção para as lendas." (Lestat)
Graças à D´s não há um filme sobre esse livro. Espero que ninguém nunca tenha coragem de fazê-lo.
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