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Ensaio de: Orgulho e Preconceito x O Diário de Bridget Jones

(SPOILER)

Olá!
Dou início neste momento ao meu primeiro ensaio, e que pretendo seja o primeiro de muitos. Como já foi dito por mim diversas vezes, ou seja em quase toda vez que escrevo, Ariel e eu conversamos muito sobre cada livro que lemos, e portanto surgem várias associações e teorias entre eles. Logo, pensamos que seria interessante dividir isso com os nossos leitores, para que possam assim formar as suas próprias teorias e associações. A minha intenção aqui é fazer um paralelo sobre: Orgulho e Preconceito, de Jane Austen e O Diário de Bridget Jones, de Helen Fielding. Dois romances separados por um pouco mais de um século, mas com similaridades inegáveis. Minha principal motivação ao optar por essa abordagem literária, o ensaio, foi a liberdade que ele me dá para abordar as obras aqui apresentadas por inúmeros pontos de vista; o que devo dizer vem em boa hora, pois há vários aspectos nelas que eu amaria destacar e comentar aqui. Porém, quero deixar claro antes de mais nada, que me aterei mais ao O Diário de Bridget Jones do que ao Orgulho e Preconceito nas minhas observações aqui. O motivo é até meio que óbvio. A minha proposta é uma analogia entre essas duas obras, destacar as influências que possam ter tido de uma em relação a outra. Então, é claro que a obra de Helen Fielding acabará ganhando um foco maior. Resolvi, para uma melhor compreensão, separar esse texto nos seguintes tópicos:
  • Estrutura;
  • Personagens e suas Características;
  • Similaridades e Diferenças;
  • Propostas;
  • Conclusão.

Estrutura

A estrutura básica destes romances é: a heroína, personagem solteira e de muita perspicácia, conhece um homem arrogante, rico e bem-afeiçoado, em um evento social. O que num primeiro momento promete ser uma promissora história de amor; acaba por tomar um leve desvio quando o galante senhor menospreza a heroína, ao ser incentivado a travar relações com a mesma. Em virtude disso, surge entre os dois uma relação muito interessante de antipatia por parte da personagem principal e um sentimento platônico por parte do nosso nobre antissocial. Após isso o enredo vai então evoluindo, com a dama seguindo o seu cotidiano e ignorando completamente a afeição despertada em nosso herói, sentimento esse que vai cada vez mais se intensificando devido aos encontros casuais ocorridos entre eles. E é neste clima “super amistoso” que conhecemos nosso rival; um personagem carismático, que ao contrário do nosso herói tem o dom de cativar todos aqueles a quem julgue necessário. Os dois são antigos desafetos, e como estes dois cavalheiros fazem questão de deixar bem claro o descontentamento que existe de um para com o outro, é óbvio que a preferência da heroína acaba por decair sobre o homem sedutor que ela acredita que lhe tem afeição. Com o tempo, no entanto, ela acaba por descobrir o carácter traiçoeiro do antagonista, já que ele por fim a desilude (Desiludi-la é pouco!). Encontrando então em nosso herói o conforto e tudo o que sempre quis, mas não havia constatado em virtude do seu orgulho ferido. Esse é o esqueleto destas duas obras.

Personagens Principais e suas Características

Orgulho e Preconceito

Elizabeth Bennet: Uma jovem de 20 anos portadora de grande humor, sagacidade e de uma inteligência privilegiada; o que a torna uma observadora implacável que tem prazer em analisar e definir os tipos da sociedade que ela faz parte. Infelizmente, devido a agudeza do seu caráter, acaba por vezes fazendo alguns julgamentos precipitados, baseados apenas em suas primeiras impressões.

Fitzwilliam Darcy: Com 28 anos ele é rico, arrogante e antipático. Personagem hostilizado por todos, exceto os que lhe eram próximos. Sua vida muda drasticamente ao conhecer e se apaixonar por Elizabeth, colocando em xeque seus valores e as regras sociais da época.

George Wickham: Ele é um rapaz charmoso que possui uma habilidade quase magnética para conquistar a todos. É um antigo desafeto de mr. Darcy, e lança mão de todo o seu charme para desacreditá-lo (Como se precisasse de mais ajuda para isso!). Consegue logo no primeiro instante a empatia de Elizabeth.

O Diário de Bridget Jones

Bridget Jones: Ela é uma mulher acima dos 30 anos que luta desesperadamente para conquistar o seu espaço no louco mundo do século vinte. Com sua família e amigos irreverentes, suas metas principais são: emagrecer, conseguir um namorado, deixar de beber e parar de fumar. Tudo isso para evitar seu funesto e solitário fim: “ser encontrada três semanas após a sua morte semidevorada por um pastor alemão”.

Mark Darcy: Grande advogado de direitos humanos, divorciado, rico e solitário. Um personagem com todos os elementos de um excelente partido, mas sua atitude antissocial, de forma irônica, acaba por afastá-lo da pessoa a quem ele mais gostaria de estreitar laços.

Daniel Cleaver: Desafeto de Mark, sedutor e boêmio assumido. É o chefe de Bridget, por quem ela nutri um sentimento platônico e com quem no decorrer do romance desastradamente acaba se envolvendo.

Similaridades e Diferenças

Acredito terem ficado claras as inegáveis similaridades existentes entre essas duas obras. E, como se não fosse o suficiente as histórias seguirem os mesmos padrões aqui apresentados em termos de enredo, existem outras “incríveis coincidências” que apresentarei agora: como o fato do personagem rico e pretensioso, se chamar Darcy; algo que não passa despercebido por Bridget, principalmente devido a sua postura diante de todos durante a festa em que se conheceram, logo associando-o a seu homônimo literário:

Achei um tanto ridículo ser chamado de Sr. Darcy e ficar sozinho com cara de esnobe numa festa. É como se chamar Heathcliff e insistir em passar a noite inteira no jardim gritando “Cathy” e batendo com a cabeça numa árvore.” (Bridget)

Inúmeras referências são feitas também ao livro em questão e a sua respectiva série, “Pride and Prejudice” da BBC de 1995, a quem por sinal é dedicado três noites do diário de Bridget (a de domingo, 15 de outubro; segunda-feira, 23 de outubro e terça-feira, 24 de outubro) com a própria personagem fazendo uma analogia entre a sua vida e a série, como demonstrado nas seguintes afirmações:

A razão do meu vício, eu sei, é que sinto uma necessidade humana de que Darcy durma com Elizabeth.”

Elizabeth e Darcy são meus representantes na área do amasso, ou melhor do galanteio.”.

E aliado a tudo isso, o livro não deixa de levantar uma questão muito interessante, até mesmo em virtude da clara semelhança entre essas duas história, que é: clássicos versus cultura contemporânea, verificado de forma mais clara no acalorado debate ocorrido no lançamento do livro A Motocicleta de Kafka (na terça-feira, dia 18 de abril). Natasha, em conformidade com o pensamento de outras pessoas ali presentes, demonstra todo o deu desprezo pelo que ela julga ser a total “vandalização da estrutura cultural” ao ser inserida num debate sobre hierarquias culturais; sendo óbvias ilustradas por Bridget, a quem satirizam por gostar do programa Blind Date (programa este que é ironizado pelos demais daquele círculo) e das adaptações televisivas dos clássicos literários. Segue aqui um trecho da discussão:

“– Acho que as pessoas deveriam primeiro provar que leram os clássicos para depois terem permissão de assisti-los na versão televisiva.” (Natasha)

“– O que me incomoda – Natasha falava como se estivesse participando de uma mesa redonda nas universidades de Oxford e Cambridge – é isso, essa espécie de individualismo arrogante que acha que cada geração vai criar um novo mundo.
Mas é exatamente o que os jovens fazem – disse Mark Darcy, calmamente. – Bem, se você vê por esse prisma... – respondeu Natasha, na defensiva.
Que prisma? – perguntou Mark Darcy – Não se trata de encarar por um determinado prisma, é um fato.
Não, desculpe, você está entendendo errado de propósito – disse ela, mais irritada. – Não estou falando de uma nova visão desconstrutivista. Estou falando da total vandalização da estrutura cultural.” (diálogo entre Natasha e Mark)

Pois bem, após evidenciar alguns dos principais trechos que são fonte para minhas conexões feitas entre estes romances, passo neste momento à segunda parte deste texto. Preciso dizer que seria um grave erro da minha parte colocar todos os fatores como sendo absolutamente exatos com relação a essas duas histórias, porque não são. Embora haja uma estrutura semelhante, diálogos que deixam claro a relação feita a cada instante, e os personagens possuírem aspectos dentro da história que poderíamos muito bem considerar como sendo equivalentes, não é possível de maneira alguma restringir O Diário de Bridget Jones pura e simplesmente como uma nova versão de Orgulho e Preconceito. Helen Fielding não buscou em sua história e seus personagens exclusivamente “representantes” para Elizabeth, Darcy e Wickham (teriam outros equivalentes também nessa história, mas resolvi me ater apenas no cerne da questão), até mesmo porque seria de demasiada crueldade deixá-los a sombra daqueles personagens tão brilhantemente criados por Jane Austen. E falo sinceramente quando digo que: ver O Diário de Bridget Jones somente como uma boa reformulação deste clássico, seria retirar dele o que tem de melhor. Pois a história não se limita apenas a isso e ao humor, que ela faz uso de maneira compulsiva diga-se de passagem. Ela soube mesmo criar algo novo.
Agora, há algo que definitivamente é digno de atenção. Qualquer observador minucioso deve ter reparado, já que procurei descrever um pouco as características mais marcantes das personagens principais, que as personagens equivalentes das duas histórias são ABSOLUTAMENTE diferentes, principalmente as duas heroínas. Pronto, foi a gota d'água. Acredito que agora você, caro leitor, esteja muito fulo da vida por ter perdido todo esse tempo para ver uma esquizofrênica se contradizer, uma vez que após uma série de tópicos falando sobre a relação existente entre as personagens destes romances, ela chega aqui e diz que as personagens são opostas. Mas, o caso é o seguinte. Em termos práticos, se não avaliarmos sob um ponto de vista diferenciado, elas serão sim divergentes. Basta olhar para sua faixa etária, seus dramas, personalidades, medos e metas. Então é aí que entra a questão: Como personagens não apenas diferentes, mas opostas, inseridas no mesmo contexto, conseguem dar essa similaridade tão forte com uma história que em “tese” não se encaixaria? Pois eu digo que é justamente aí que entra a proposta da história.

Propostas

Avaliando as similaridades e as diferenças expostas até o momento, chegamos no impasse por mim destacado a poucas linhas atrás. Qual é de fato a proposta destes romances? Qual foi a proposta defendida com tanto fervor por Jane Austen através do seu tão aclamado Orgulho e Preconceito? Sim, pois a proposta, no meu entender, é o que realmente conecta estas duas obras. Mais até do que qualquer outra coisa apresentada por mim anteriormente. Para dar resposta a essas perguntas feitas no texto, começarei por onde creio ser o centro de tudo no tocante a questão do livro Orgulho e Preconceito. Eu já fiz uma resenha deste livro, como acredito que todos os que estejam familiarizados com os posts sobre livros deste blog saibam. Nesta resenha fiz uma observação sobre o que havia entendido como sendo o lema do livro. Afirmei que este romance, e tudo o que o compõe, me guiaram a combinar os títulos, Primeiras Impressões e Orgulho e Preconceito, como sendo o lema do livro (para quem não leu ou não lembra do que afirmei na resenha em questão Primeiras Impressões foi o primeiro nome sugerido por Jane Austen para denominar esta obra), pois ele nos ensinava que nenhuma primeira impressão é desprovida de muito orgulho e do mais refinado preconceito. O que quis dizer naquele momento ao me referir dessa maneira a esta obra, e espero sinceramente que tenha conseguido me fazer entender, é que qualquer primeira impressão, por mais imparcial que tente ser o observador, é investida de um conceito anteriormente formado por ele. Não porque a pessoa seja má ou mesquinha, mas porque não há dados suficientes para uma definição sobre o assunto, visto que é uma primeira impressão sobre um fato. Logo, a visão que a pessoa terá sobre aquilo será relativa mais a algo idealizado por ela, do que por uma conclusão proveniente duma análise cuidadosa dos fatos. Portanto, que conclusão definitiva pode tomar uma pessoa baseadas em uma única prova? Um “teste” que não tenha sido repetido pode ser usado como alicerce para algo tão complexo quanto a compreensão de um ser humano? Pois é exatamente isso, que faz quem baseia os seus julgamentos em suas primeiras impressões. É no entanto importante ressaltar, como disse na minha primeira avaliação sobre esta obra, que o lema do livro era a combinação dos dois títulos sugeridos por Jane Austen. E é justamente em virtude disso, que me vejo na obrigação de dizer que o orgulho, se não digo o principal problema, é o problema que pela minha concepção mais modifica a vida das personagens nestas obras. A fonte da qual evoluem os deslizes subsequentes das personagens. Afirmo isso pois o orgulho acaba por fazê-las tomar resoluções sobre as outras personagens, sem nenhuma consistência lógica; já que basear todo um conceito resultado nas primeiras impressões não abre margem para que um possível erro possa ser encontrado numa avaliação posterior. O orgulho, por dar demasiado crédito a sua suposta agudeza, sem parar para ponderar se está analisando todas as variáveis existentes, ou se está sendo levada por algum tipo de preconceito, acaba por tornar-se cego. Visto que o preconceito em si, já macula por si só as evidências sobre qualquer questão, dificultando a chegada de uma resposta exata acerca de um determinado assunto. E portanto, as provas usadas para o embasamento das teorias apresentadas naquele momento acabam por ficar comprometidas, trabalhando com o fito exclusivo para aquilo que já se quer ver. Sei que posso estar parecendo muito enfática nas minhas afirmações. Mas, um dos fatores que é de suma importância para se tomar uma posição a cerca de um determinado fato de forma satisfatória; é a imparcialidade do observador. Coisa que ao analisarmos friamente as duas histórias e tudo o que nelas compõe, como pode ser constatado no tópico Estrutura, compreende-se facilmente que as personagens não tiveram. Elas simplesmente criaram opiniões muito fortes umas sobre as outras, embasadas em suposições feitas por suas primeiras impressões, esquecendo totalmente de se aterem aos fatos. Suposições essas que no futuro mostraram-se completamente errôneas. Um bom exemplo disso é ver como a opinião das respectivas heroínas eram parciais e sujeitas a variações apenas pelo ao fato de terem sido tratadas com amabilidades, ou feridas em seu orgulho logo no início das suas relações. Isso pode ser comprovado num fragmento de conversa onde Bridget desabafava com Tom, seu amigo, seus complexos de inferioridade estética.

Ele me consolou enquanto eu falava sem parar do meu problema de ser pouco atraente – problema, como eu disse a ele, deflagrado em primeiro lugar pela droga do Mark Darcy e depois pela droga do Daniel, diante do que ele perguntou, embora não fosse de grande ajuda:
Mark Darcy? Não é aquele famoso advogado, o cara dos direitos humanos?
Humm. Bom, não importa. O que dizer do meu direito humano de não ter de viver com um assustador complexo de feiura?” (Bridget)

E, pela própria reflexão feita por Elizabeth ao descobrir o verdadeiro caráter de Wickham, personagem a quem a princípio estimava, e de Darcy, a quem no princípio antipatizava, Elizabeth constata uma certa incoerência a cerca do que pensava sobre si mesma, quando reflete sobre como suas conclusões referentes a Darcy e Wickham foram precipitadas.

Eu que me orgulhava tanto do meu discernimento, da minha habilidade! Eu que tantas vezes desdenhei a generosa candura da minha irmã, e gratifiquei a minha vaidade com inúteis e censuráveis desconfianças. Como é humilhante esta descoberta! Mas como é justa esta humilhação! Eu não poderia ter agido mais cegamente se estivesse apaixonada! Mas a vaidade, não o amor, foi a minha loucura! Lisonjeada com a preferência de uma pessoa e ofendida com a negligência da outra, logo no início das nossas relações cortejei a parcialidade e a ignorância, e expulsei a razão. Até este momento eu não conhecia a minha verdadeira natureza” (Elizabeth)

Esta é a proposta destes dois romances. Enxergar os fatores dúbios que ficam sutilmente ocultos a primeira vista, soterrados por uma análise “lógica” das personagens principais e do humor (humor que ocupa um papel quase que principal, junto com a parte correspondente a moral da história, no O Diário de Bridget Jones). Toda essa descrição que fiz a cerca do que entendo como sendo o lema do livro de Jane Austen, e também do de Helen Fielding, é a principal conexão entre estes dois romances, na minha concepção. Pois o caso é o seguinte, tanto O Diário de Bridget Jones como o Orgulho e Preconceito, se avaliarmos de forma paralela veremos que são livros que encerram suas conclusões desta forma: Pare de se deixar influenciar por conceitos pré-concebidos e se atenha aos fatos. Você não é onisciente e não detém a verdade absoluta das coisas. Não existe uma receita para como devemos nos relacionar com as outras pessoas, e de como as pessoas devem ser para que sejam confiáveis. Portanto, não estigmatize os fatos e pessoas, pois a única pessoa que perderá com isso será você mesmo. É isso o que vejo de forma mais contundente nestes livros, e é o que mais me encanta na relação feita entre essas duas personagens principais tão diferentes uma da outra. A maneira que Helen Fielding encontrou para fazer isso acaba realmente por destacar a trama acima de uma mera adaptação. A Elizabeth, de Jane Austen, é uma mulher de excepcional inteligência. Ela tem total conhecimento do seu valor, do tamanho da sua inteligência e da sua percepção; o que acabou por faze-la ter julgamentos precipitados, já que sabe da sua habilidade para caracterizar tipos. Porém, Bridget não é assim. Bridget é uma mulher contemporânea, uma mulher que luta contra uma sensação de permanente insatisfação. Pois, a sociedade a cobra, seus parentes a cobram e, o pior de tudo, ela se cobra muito. O que faz, obviamente, que ela cobre dos outros. Por que não cobraria se a cobram? O que Helen Fielding faz é usar a receita tão bem sucedida de Jane Austen, em Orgulho e Preconceito, para criar de forma leve e divertida debates que abordem áreas da filosofias e do cotidiano atuais, levando o leitor a inúmeros questionamentos sobre o nível da qualidade de vida moderna.

Conclusão

Depois das minhas explanações sobre estes romances, chegou o momento de dizer tudo o que esta associação me levou a concluir. Bem, devido ao fato de este ser um ensaio específico sobre a relação entre dois romances, lembro mais uma vez que procurarei me focar mais nas questões abordada por ambas, ou que possuam alguma conexão entre elas; e, como alertado logo no início do ensaio, podendo acabar dando um maior destaque para os debates apresentados no O Diário de Bridget Jones, pelo motivo já apresentado também no início do ensaio. Certo, neste instante direi algo que talvez cause algum tipo de estranheza, como suponho que a princípio a minha afirmação, de que as personagens equivalentes destas duas histórias eram absolutamente diferentes, tenha causado. É que não pude evitar ficar mais chocada com o que o livro me mostrava, do que rir das situações hilariantes dele. É, eu sei caro leitor. Consigo imaginar agora o seu choro contido a duras penas, toda a consternação tomando conta do seu corpo até que finalmente você se rende a todo ódio. Sim, ódio por ter se deixado enrolar da primeira vez onde refleti toda a minha bipolaridade, e você, compassivo deu-me mais uma oportunidade para provar que há sim lógica nestas páginas. Porém, como subsistir a tamanha evidência apresentada agora? E é agora, que ainda com lágrimas nos olhos você ergue a voz e lamenta dizendo: É uma história de humor! Como é possível ler aquela história e não ser dominada por gargalhadas sucessivas? Primeiro, eu não disse que não ri, só disse que não foi tanto quanto tenho certeza que teria sido se não estivesse tão pasma com o retrato exposto ali na minha frente. O caso é o seguinte, esta é uma obra muito atual, e por ser uma obra atual, toca em feridas que podem ser contempladas a olhos nús. Feridas estas que foram abordadas de uma forma tão interessante, que para mim, fizeram honestamente com que eu chegasse a rir pouco, mesmo tendo um número incontável de piadas e tiradas inteligentes, por ficar hipnotizada com os defeitos da nossa sociedade; a começar pelos da protagonista. A personagem principal, como qualquer leitor deve ter reparado, foi feita para ser o reflexo da mulher moderna. Uma mulher cheia de receios e sonhos, que passa todas complicações que qualquer mulher moderna viveria, colocados de forma bem humorada para mostrar a grande batalha que é viver num mundo cheio de esteriótipos. Porém, é justamente o fato de Bridget ser o retrato das mulheres da nossa era que deixa tudo tão melancólico. Bridget, assim como todos os personagens deste livro, é uma pessoa sem identidade. Pessoas dispostas num meio onde nada é bom o suficiente. Presas por uma sociedade que dita regras das quais ninguém nunca consegue cumprir, condenando a todos a serem: “fracassados”, viciados numa busca onde nem as próprias pessoas sabem direito ao que é. Todos os personagens parecem tragicamente perdidos num mundo sem propósito que promete dar a solução para cada problema encontrado, numa matéria de revista ou com uma fórmula mágica num livro de auto-ajuda. Ninguém parece realmente feliz e realizado nesta história. E mediante tudo isso, não pude evitar de sentir a graça produzida pelas piadas eclipsada, com todas aquelas personagens que mudavam de opinião a cada momento em busca um mundo menos solitário. Aliás, esse foi o ponto em comum entre todas as personagens. O que todas queriam e buscavam era a aceitação. Todas as personagens, por mais diferentes que fossem culminavam na mesma máxima, que era a busca pela aceitação dessa sociedade caprichosa e impossível de agradar. Então como é óbvio, acabavam por se sentirem mal, pois por maior esforço que fizessem nunca conseguiam atingir seus objetivos, sendo logo atacados pela sensação de frustração que aplacavam transformando os outros em pessoas menos resolvidas consigo mesmas; ditando seus “erros” em termos de como a sociedade mostrava que devia ser uma pessoa de sucesso. As solteiras sentiam-se mal, como se houvesse algo de errado com elas e fosse esse o problema que as levava a estarem solteiras. As casadas, frustradas com a rotina e a infidelidade dos seus respectivos cônjuges. Os homens, confusos sem saber o seu papel no mundo metendo-se então em relações frívolas uma atrás da outra, numa tentativa desesperada por recuperar o controle, sabe-se lá do que. Ou então, no caso dos homens que não recorriam a recursos tão repreensíveis, sentiam-se sem ambiente, e em virtude disso se atrapalhavam tanto com suas relações que acabavam por afastar os outros, ou pelo menos as pessoas com que tencionavam formar laços. Nem mesmo o núcleo dito “culto” pode ser eximido destas tão sombrias características, que acabavam por sua vez a querer escorar-se nos “menos cultos”, numa tentativa capenga de conseguir se sobressair e assim conquistar seu espaço, conseguindo tão somente se perder ainda mais numa nuvem de incertezas.
Essa é a funesta situação que se desdobra ao emparelharmos Orgulho e Preconceito com o Diário de Bridget Jones, dois livros dedicados a evidenciar a sociedade e as suas respectivas características. Veremos aspectos semelhantes, claro, só que sombrios, se compararmos as observações que O Diário de Bridget Jones e Orgulho e Preconceito nos faz ter. É que em Orgulho e Preconceito, podemos constatar fatores bem nocivos da sociedade, sim, inúmeros para ser mais exata. Mas embora haja aspectos nocivos nela, você vê personagens que sabem o que querem. Não estou dizendo que se deve ver de forma mais complacente a sociedade narrada por Jane Austen, com relação a sociedade de Helen Fielding, pois não vejo assim. Acho inclusive que tem um quê de cruel em se saber o que quer e isso se sobrepor a outras pessoas (esse é um dos fatores que vi em Orgulho e Preconceito, não é o que julguei mais negativo, mas é um fator em comum). Mas, o que dói é o retrocesso que pode ser constatado. Há uma diferença entre estes dois romances de um pouco mais de um século, com processos sucessivos de “evolução” em termos de pensamentos filosóficos, e onde nós acabamos? Aqui. Numa sociedade que evoluiu para um vácuo individual. A dita “liberdade” da cultura moderna acaba por fim em culminar na perda de identidade, com todos procurando algo que nem sabem ao certo o que é, mesmo com o “final feliz”. Encerro o meu texto com um trecho dos dois livros que espero, traduza bem o que disse sobre a diferença das personagens de um livro para o outro:

As pessoas sensatas dirão que Daniel deve gostar de mim do jeito que sou, mas sou uma filha da cultura Cosmopolitan, fui traumatizada por supermodelos e todo o tipos de testes e sei que nem minha personalidade nem meu corpo darão conta do recado se não forem bem trabalhados.” (Bridget)

“– Bem, minha cara mulher – disse mr. Bennet, depois que Elizabeth acabou de ler o bilhete em voz alta –, se sua filha caísse gravemente doente, se ela morresse, seria um conforto saber que foi tudo para conquistar mr. Bingley e por sua ordem.
Oh, não tenho medo de que ela morra. Ninguém morre de um pequeno resfriado. Ela será bem tratada. Enquanto estiver lá, tudo vai muito bem. Eu iria vê-la se pudesse usar a carruagem.” (diálogo entre mr. e mrs. Bennet)

Comentários

  1. Se eu fumasse e fosse loira seria praticamente uma Bridget Jones. No mais, Mikhaella, você escreve bem e é demasiadamente perspicaz. Um abraço!

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B"H
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