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Um rápido olhar em "O Vampiro Lestat"

B"H
Olá para todos!
Me sinto na obrigação de dizer antes de mais nada que, ao escrever essa resenha, me vêm à mente a pergunta: será que isso não é uma forma mais sofisticada e dissimulada de dar spoilers?
Em nenhum momento eu tive a intenção de contar nada que tire a graça da história ou que revele alguma parte central e emocionante da trama, mas devo adverti-los que as mentes mais agudas vão antever e entender detalhes que uma resenha comum não daria. Devo adverti-los também que, ao lerem esse texto, vocês nunca mais serão capazes de fazerem uma leitura inocente desse livro. Talvez (e acho que sim) esse seja o meu desejo, afinal quero mostrar em alguma medida minha opinião sobre a obra, do contrário isso não seria uma resenha (não existe resenha crítica porque TODA resenha é crítica, do contrário seria resumo).
Outra coisa importante é que o filme "A Rainha dos Condenados" (nome do próximo livro da série) é uma mistura entre a história de O Vampiro Lestat e A rainha dos condenados. Por tanto nesta resenha e na próxima eu falarei sobre o mesmo filme.
Vamos ao texto!

A história de O Vampiro Lestat começa alguns anos depois do final de  Entrevista com o Vampiro, mais precisamente no ano de 1984 quando o vampiro Lestat resolve sair de seu sono "eterno" e conhecer as profundas mudanças que a sociedade sofreu durante seu afastamento. Lestat esteve sonhando e ouvindo tudo o que se passava na superfície da cidade de Nova Orleans durante os anos que permaneceu "hibernando" (palavra minha), e uma banda de rock de garagem atraiu sua atenção de forma especial. A música, as letras, a possibilidade de dizer aos quatro ventos tudo o que se queria e não ter medo disso. Os próprios membros da banda com sua beleza andrógina. Ao acordar ele fica extasiado com o que vê. Tanto a aprender e absorver, um mundo tão diferente e ao mesmo tempo tão parecido com a Nova Oeleans que ele conhecera. É neste momento que Lestat resolve se apresentar à banda como o vampiro que é e músico de rock que deseja ser. Através dessa banda ele descobre o livro Entrevista com o Vampiro e como ele se tornou popular e faz do nome Lestat uma lenda entre os habitantes deste mundo underground. Irado pelas "mentiras" de Loius sobre sua própria pessoa, e ao mesmo tempo comovido pela coragem que o outro teve de quebrar as regras mais básicas a que todos os vampiros do mundo estão sujeitas (leiam o livro para descobrirem) Lestat resolve escrever sua própria história e lançar álbuns de música rock que contem a história e os segredos dos vampiros para o mundo. Lestat pretende com isso acordar os antigos que estão há tanto tempo adormecidos e expor de forma definitiva o seu mundo para os humanos. No caso do filme este começo é basicamente fiel mas muito, muito MESMO, mal feito. Lestat parece um cantor de rock moderno super vaidoso de quem é e de seus poderes, e não possui o menor carisma nem a força dramática (que isso, fica muito longe disso) que Tom Cruise demonstrou em "Entrevista com o Vampiro". O Lestat do filme e o do livro são tão idênticos quanto Frank Stein e a princesa Aurora de "A Bela Adormecida".

Esta é basicamente a introdução do livro. Todo o resto é a história que ele quer publicar sob o título de  O Vampiro Lestat: A Educação Inicial e Aventuras do Vampiro Lestat.
A narrativa é toda em primeira pessoa e começa mostrando o próprio Lestat em sua adolescência na cidade francesa de Auvergne durante o século XVIII. Lestat é um nobre iletrado, filho de uma família decadente mas que ainda possui o respeito devido a sua classe. Ao completar vinte e um anos reencontra Nicolas de Lenfent, a quem conhecera na infância. Nicolas é filho de um rico comerciante da cidade, que havia desistido de seus estudos na capital Paris a fim de aprender violino. Os dois tornam-se grandes amigos e confidentes (e há muito mais do que isso, se é que vocês me entendem... leiam para descobrir) e acabam por fugir para Paris com a ajuda da mãe de Lestat, única na família a ser letrada, culta e sofisticada. Em Paris Lestat e Nicolas ganham emprego em uma pequeno teatro de Boulevar, onde Lestat consegue o reconhecimento por seu talento na atuação. É então que Lestat encontra (ou é encontrado) pelo vampiro Magnus e vampirizado a revelia. Lestat começa então uma incrível jornada onde aprenderá a conhecer não só o mundo dos vampiros como a sim próprio. Neste caminho ele conhece Armand, líder de uma congregação de vampiros que acreditam ser servos do demônio e que tentam de todas as formas destruir a Lestat por sua vida herética no meio dos homens. Lestat conhece também o vampiro Marius, responsável pela vampirização de Armand e que é um dos vampiros mais antigos e fortes do mundo. Dessa forma Lestat descobre a existência dos Filhos do Milênio, os vampiros mais velhos que existem, e o maior de todos os segredos desse mundo das trevas, "Aqueles Que Devem Ser Preservados". Quanto ao que diz respeito a história da vida de Lestat no filme devo confessar que ou os redatores não leram o livro ou estavam muito bêbados ou drogados para terem entendido alguma coisa. A história é simplesmente outra.

No livro (o livro dentro do livro) há ainda um epílogo chamado "Entrevista com o Vampiro" onde Lestat apresenta de forma muito resumida se ponto de vista dos fatos narrados por Louis em seu livro homônimo. É interessante porque inclusive conta o que aconteceu com Lestat depois que Louis se encontrou com ele e como decidiu se retirar para o sono "eterno". E o filme é uma merda!

Depois de terminado o relato do livro O Vampiro Lestat (o livro dentro do livro) a narrativa continua mostrando os preparativos para o primeiro show da banda, tudo o que acontece lá e como Lestat é atacado. E o filme é uma merda muito grande porque inventa um monte de coisas absurdas neste ponto.

Pois bem, pensemos: Os vampiros de Anne Rice se debatem e se consomem pelos mesmos medos e limites morais que atingem qualquer ser humano. É notável como a loucura é experimentada ao longo de uma trajetória mortificante e dilaceradora que faz do vampiro o "homem" mais perturbadoramente atingido pela inexorável agonia de tirar uma vida "inocente". É interessante notar que, apesar de tudo, o vampiro não é destituído de uma moral misericordiosa que lhe mostra a crueza de seus atos hediondos e perversos. O vampiro não é destituído de sentimentos. Na verdade, o sangue de suas vítimas é o próprio veneno que lhe acentua os sentimentos de desamparo e solidão profundos que acabam por enlouquecê-lo. É claro que existem aqueles que não enlouquecem, mas estes são aqueles poucos que encontram no próprio ato hediondo a maravilhosa função de ser da sua existência. No primeiro livro Louis ri debochado da ironia do açúcar (o maior e mais poderoso veneno de todos, aquele que não é detectável) ser doce. O que ele não percebe é que essa mesma ironia se aplica ao sangue de cada vítima que carrega consigo o potencial emocional de despertar no vampiro os sentimentos mais desesperadores, enquanto é capaz de atordoá-lo e aconchegá-lo numa paz que se desfará na noite seguinte, no melhor dos prognósticos. O vampiro em si é a criatura mais atormentada da face da Terra porque não pode entender seu propósito, e mesmo ao achá-lo tem de lidar com a necessidade de recrudescimento emocional necessário à sua existência. Ele necessita descobrir em si o sentido da própria vida ao mesmo passo que percebe não ser parte da ordem natural das coisas.
Em Anne Rice o vampiro ganha a capacidade de se tornar o maior monstro de todos porque não pode imputar ao instinto assassino a culpa por seus atos de morte, ele tem plena capacidade emocional e física de entender as implicações morais e emocionais de suas atitudes, ele não é cegado por sua natureza sedenta. É interessante notar como os próprios vampiros voltam-se para a punição por vontade própria a fim de expiarem por algo que a maioria não pode escolher. As maiores teorias malignas para sua existência e punição pelo fogo do inferno vem de suas próprias fileiras e não dos humanos ao redor. A própria congregação dirigida por Armand é o exemplo ideal do disparate consciencioso da religiosidade do grotesco. A necessidade imatura de criar uma mitologia horrenda e perturbadora que castre suas próprias necessidades afim de criar uma possibilidade de existir como monstro. Neste livro Anne nos apresenta a um Armand absolutamente perturbado, dilacerado e destituído de qualquer substância mais palpável que o horror de sua própria existência vazia. Basta que um único vampiro (Lestat) semeie a dúvida no solo fértil de sua mente perturbada para que todo o propósito auto-infligido desmorone como um castelo de cartas.
Lestat não se distancia muito do pavor existencial de Armand mas ainda não tem os séculos de existência deste, não pode ser atingido por toda dor que o corrói. Porém inicia-se aqui a trajetória inexorável que transformará o Lestat de O Vampior Lestat no Lestat de Entrevista com o Vampiro. É claro que a visão distorcida do vampiro Louis sobre a pessoa do seu criador influencia na forma monstruosa com que os leitores se aproximam de Lestat, mas é exatamente esse o jogo que parece interessar a Anne. Quem é o verdadeiro Lestat? O vampiro desprovido de emoções e monstruosamente maligno descrito por Louis ou o vampiro humanizado, emocional e desesperado por encontrar o lugar do amor e do ódio, bem e mau descrito pelo próprio (e talvez indulgente) Lestat?


"— Lestat, o importante é que nós saibamos nos aproveitar — ela disse. — Tudo que aprendi de Armand, enfim, foi que os imortais acham a morte sedutora, em última análise, irresistível, que eles não conseguem subjugar a morte ou a humanidade em suas mentes. Pois bem, quero pegar este conhecimento e usá-lo como uma armadura enquanto ando pelo mundo. E, felizmente, não me refiro ao mundo de mudanças que essas criaturas acharam tão perigoso. Refiro-me ao mundo que há milênios tem sido o mesmo." (Gabrielle)

"— Todas as coisas escaparam à minha compreensão — ele disse. — Sou como alguém que a terra devolveu e vocês, Lestat e Gabrielle, são como as imagens pintadas por meu velho Mestre em azul-celeste, carmim e dourado. (...) O que há para saber? O que há para dar? Nós somos os abandonados por Deus. E não existe nenhuma Trilha do Diabo estendendo-se diante de mim e não existe nenhum sino do inferno tocando em meus ouvidos." (Armand)

"— Você sente minha solidão — eu respondi —, minha amargura por estar sendo excluído da vida. Minha amargura por ser algo maligno, porque não mereço ser amado e, no entanto, preciso de amor com toda ânsia. Meu horror porque jamais poderei revelar-me para os mortais. Mas essas coisas não me detêm, mãe. Sou forte demais para que elas possam me deter. Como você mesma disse um dia. Sou muito bom em ser o que sou. Essas coisas apenas me fazem sofrer de vez em quando, só isso." (Lestat)

"Enfim, o que posso dizer que não confirme seus piores temores? Já vivi mais de mil e oitocentos anos e lhe digo que a vida não precisa de nós. Eu jamais tive um verdadeiro propósito. Nós não temos lugar." (Marius)

Livro:Filme:
PS.: Segundo o site Bloody Disgusting a Universal Pictures pretende lançar um filme baseado em O Vampiro Lestat e já está quase fechando um contrato com o ator Robert Downey Jr. para o papel principal. Particularmente acho que Robert faz bem todos os papéis que se propõe. Espero realmente que façam algo decente porque depois de "A Rainha dos Condenados" eu fiquei muito decepcionado.

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